quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

LOUCURA E SANIDADE



Havia um mestre sufi rodeado por seus discípulos (D) que lhe perguntavam ao seu mestre (M) sido seu primeiro mestre:

D: Mestre, como você iniciou o seu caminho? Quem foi seu primeiro mestre?
M: Meu primeiro mestre foi um cão.
D: Como?
M: Estava observando um cão sedento à beira de um lago. Quando ele se aproximava da água, via sua própria imagem, rosnava e recuava. Assim ele ficou por muito tempo até que a sede era tanta que se jogou pra dentro do lago e teve toda a água que precisava. Naquele mesmo instante percebi que o que me separava daquilo que eu mais desejava era eu mesmo.

A lembrança da estória citada acima surgiu a partir de várias reflexões sobre anotações das aulas de Filosofia da Psicologia, ministradas pelo professor Marcos J. Müller-Granzotto. Após vários dias, uma “figura” (no sentido da Gestalt) finalmente surgiu, uma estória a respeito da jornada de cada um, do EU, do desejo e da loucura.
Para a Fenomenologia, o EU é construído no outro, ele não existe a priori, é uma construção a partir do outro. Para ela, a loucura é considerada incapacitante, as pessoas criam problemas para ir para a inatualidade, para fugir da realidade. O louco não se interessa em fugir da realidade, não cria problemas e, se ele não consegue ir ao transcendental, como viver fora da realidade?
Na Psicanálise, o louco também é alguém que não desperta o desejo. A realidade sempre se impõe a mim de uma maneira estruturada, eu olho a realidade e a realidade me traz o vazio. A realidade é um problema, afinal, qual é a estrutura que está alí? Assim, não se preocupa com a relação, mas com a estrutura. No desejo se está querendo entender o que o outro quer de mim. O desejo tem a ver com uma falha estrutural que demanda por regra. O louco não deseja, não se interessa e não busca, e, se ele não consegue se manter na realidade,não consegue lidar com a demanda ambivalente de regra e de gozo, como viver na realidade?
A “Psiquiatria Fenomenológica” de Karl Jaspers, no seu Manual de Psicopatologia (1913), adota uma postura epistemológica que faz uso de um objeto noemático, semelhante a uma esfera espelhada que reflete o infinito de relações. Esta estrutura se assemalha em muito ao exemplo que o “Buda” Sakiamuni, há aproximadamente 2600 anos atrás sobre as experiências de cada ser vivente neste mundo. Neste exemplo, o Buda coloca que cada ser humano pode ser visto como uma jóia, que reflete todas as outras jóias de todo o universo, ou seja, cada um de nós espelha a experiência de todos os outros, estando todos nós interligados (e interdependentes) e, nas relações podemos vivenciar todas essas imagens. No “budismo”, todo ser humano é um buda ainda que não reconheça esse estado, que só pode ser vivenciado transcendendo-se a ignorância básica de si mesmo, que é a identificação, justamente, com esse EU construído nas relações, separado dos demais, um EU que está identificado com o seu pensar. Vivenciar o que está além deste EU construído é a verdadeira liberdade, o verdadeiro acordar -- daí o termo Buda, “o acordado” -- só assim pode-se perceber a inteireza e a harmonia existente em tudo, antes disso, somente pensar e pensar, julgar e rotular, vivenciando indiferença, apego e aversão, desejo e repulsa, vez após vez, vivenciando somente esse EU construído, a barreira que separa cada um da experiência do todo, um ser oceânico. Lembrando mais uma vez da estória, na experiência da sede intensa, necessitamos dar o salto, ir além das imagens refletidas para saciar nossa sede.

Um comentário:

  1. Irado a linha de pensamento... Muito boa...
    Bem interessante de se ler ...
    Muito bom irmão...


    Parabéns pelo Blog e pelos seus trabalhos...

    Sucesso sempre .!!

    PAZZZZzzzzzz

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